COVID-19, crianças, pandemia. No início uma grande dúvida: o que fazer? Crianças são grupo de risco? Crianças espalham a doença como adultos ou até mais? Pouco se sabia.
Isolamento social. Fechamento de escolas. E agora?
A pergunta que precisamos responder é: Se as crianças não se infectam como os adultos, quando elas devem estar na escola?
Em outras palavras: É possível REABRIR AS ESCOLAS com segurança?
Quando falamos de Covid-19, todos sabemos a crucial importância de praticarmos o isolamento social para quebrar e reduzir a cadeia de propagação do vírus. Mas será que essa relevância também se aplica à transmissão pelas crianças?
Diversos estudos de testagem em massa realizados em diferentes regiões, como Itália, Inglaterra, Coreia do Sul, China e outros, mostram que não.
Calma, pode deixar que vou te explicar com alguns exemplos, pode ser?
- Um estudo italiano da cidade de Vo, onde 86% da população foi testada, nenhuma (isso mesmo, nenhuma) criança abaixo de 10 anos foi diagnosticada. Enquanto a taxa de transmissão na população geral foi de 2,6%
- Esse estudo acima foi composto, inclusive, por crianças que conviviam com adultos com teste positivo
- Menores taxas da doença e de transmissão por crianças do que adultos – em outros estudos feitos pela Irlanda, Coreia do Sul, Guangzhou na China, Japão também contrariam os dados iniciais apresentados em Shenzhen na China no início de rastreamento de contágio, o qual citava participação das crianças nas transmissões do vírus.
- Outro estudo que avaliou o retorno das atividades escolares na Inglaterra, publicado na Revista Lancet, uma das mais renomadas e respeitadas no meio científico, identificou que as crianças foram potenciais responsáveis por apenas 17% da transmissão viral em adultos e 29% em outras crianças.
É importante destacar também que no início da pandemia, acreditava-se que as crianças pudessem ser os vetores primários da cadeia de transmissão do SARS-CoV-2 (vírus da Covid-19) em uma família, e por isso o fechamento das escolas foi, quase, instantaneamente adotado pela maioria absoluta dos países, mesmo sem evidências.
Hoje, no entanto, muito se questiona o papel das crianças nas cadeias de transmissão do SARS-CoV-2, visto que somente 0 a 10% dos casos de infecção tiveram crianças como pacientes índices, ou seja, a porcentagem de transmissão do vírus pelas crianças é mínima quando comparada às taxas de jovens e pessoas mais velhas.
Além disso, felizmente, muitos estudos apontam que as crianças, principalmente as mais novas, apresentam menores taxas de doença e raríssimos casos de agravamentos.
COVID-19 grave em crianças é tão raro quanto muitas outras síndromes de infecção que não levam ao fechamento escolar.
E por que a reabertura escolar é tão importante?
Poderia ficar aqui apenas com a parte educacional, de aprendizado, troca social e tudo o mais que ela oferece, e já isso bastaria.
Mas vou além. Escola é lugar de refúgio para crianças em vulnerabilidade social. Num país como o nosso, pode significar a única refeição que ela irá receber no dia. Pode significar um local de proteção para essa mesma criança não ser espancada ou abusada sexualmente. Escola é muito mais.
Deveria? Faço esse questionamento também. No melhor dos mundos, seria apenas mais um lugar em que essa criança seria protegida, acolhida e iria aprender mais. Como também em casa. Mas nem sempre é assim.
O fechamento das escolas pode trazer graves consequências às necessidades educacionais, sociais, mentais e do bem-estar de toda criança. Tamanha a sua importância, precisamos proteger essa instituição. Torná-la possível.
Mas existe o medo. A reabertura de escolas pode trazer aumento da transmissão do vírus?
Vamos entender o que dizem os estudos?
Lembra do estudo da Inglaterra que citei no começo? Ele estimou a taxa de infecção por SARS-CoV-2 e seus surtos entre alunos e funcionários em ambientes escolares durante a reabertura de escolas na Inglaterra. E os dados gerados pela abertura podem impressionar:
- Em média, foram avaliadas quase 20.000 escolas por dia, com frequência diária de alunos variando entre 928.000 e 1.230.000.
- 113 casos únicos de infecção por SARS-CoV-2 foram identificados e 55 surtos, sendo que 73% deles ocorreram entre membros da equipe de funcionários dessas escolas e não estudantes.
Essas baixas taxas de infecção por SARS-CoV-2 e de surtos na Inglaterra são consistentes com diversos outros países que também realizaram a reabertura das escolas após lockdown e aos que mantiveram suas escolas abertas durante a Pandemia, principalmente no que se refere aos dados dos primeiros anos e das escolas primárias, sugerindo novamente um menor papel das crianças na transmissibilidade do vírus, principalmente as menores de 10 anos.
E a Organização Mundial de Saúde (OMS)? O que nos diz?
A OMS encorajou que escolas primárias fiquem abertas, desde que a redução de transmissão de vírus nas comunidades esteja reduzindo e/ou em controle e seja feito com cuidados e medidas preventivas rigorosas:
Estratégias de detecção rápida de novos casos de Covid-19, limpeza das salas de aula, distanciamento entre as carteiras, uso obrigatórios de máscaras, e ventilação apropriada são alguns dos apontamentos que a instituição afirma necessários para fundamentar uma retomada segura dos alunos, docentes e toda equipe administrativa.
Medidas essas que irão demandar um bom planejamento para que sua implementação e execução seja possibilitada a todas escolas, de todos os níveis, em todo país, o que destaca ainda mais a importância desta discussão.
Como o mundo reage a tudo o que foi falado até aqui?
O relatório mensal da UNESCO aponta que, em setembro de 2020, 73% dos países já tinham iniciado o processo de reabertura escolar. Todos os quais apresentavam o preparo prévio de diretrizes de saúde e higiene a serem implantadas com protocolos além da alocação de recursos financeiros adicionais para cobrir os custos gerados pela Covid-19 ao setor educacional; além de 4 em cada 10 desses países também implementaram o rodízio de estudantes (principalmente nos locais de média renda).
A aplicação dessas estratégias de reabertura – previamente elaboradas – se deu quando o nível de transmissão de Covid-19 já estava sob controle. E nenhum desses processos de abertura escolar esteve associado ao aumento de transmissão do vírus SARS-CoV-2. Isso reforça o quanto o preparo e planejamento para retomada cautelosa das atividades escolares após a redução da incidência de Covid-19, através de medidas de isolamento social e do controle da transmissão, pôde promover um ambiente escolar seguro para a volta de alunos e professores e sua consequente redução dos impactos negativos da pandemia sobre a educação.
O que mais é preciso para evidenciar que o fechamento das escolas traz prejuízos imensuráveis para os nossos pequenos, o nosso futuro? Já se dizia o provérbio: “é preciso de uma vila inteira para educar uma criança.”
É possível, então, a reabertura escolar no Brasil?
É possível sim, mas não de qualquer maneira. É preciso que várias medidas sejam tomadas para garantir a segurança de alunos, professores e toda equipe escolar de forma segura!
Como nos preparar para essa retomada em 2021 sem postergações desnecessárias?
Cada um de nós teremos parte nessa retomada. Começando com o crescimento do debate sobre o tema #LugarDeCriançaÉnaEscola, todos podemos participar no fortalecimento dessa campanha. Seja compartilhando em nossas redes sociais ou mesmo trazendo o assunto para debates familiares. Toda divulgação conta e ajuda muito. Compartilhe!
Enquanto poder público, nossos governantes devem exercer seu papel e responsabilidade de focar em planos de retomada e de restauração de todos prejuízos educacionais, emocionais e sociais gerados pela pandemia. E que sejam elaboradas estratégias adequadas às diversas demandas que o futuro nos trará, como:
- Monitoramento das desistências escolares
- Instabilidade emocional e de bem-estar de estudantes e professores esperada pela repercussão trazida da vivência prolongada da quarentena e instabilidade econômica do país.
- Necessidade de novo material didático adaptado ao desenvolvimento das principais e mais danosas áreas afetadas: por exemplo habilidades literárias e matemáticas
- Método de avaliação de aprendizagem adequado a cada nível educacional e os impactos do período fora das escolas
- Aumento da integração de tecnologias digitais que possibilite um melhor suporte didático ao aluno
- Adaptações dos espaços físicos para que estejam condicionados às diretrizes de saúde, higiene e segurança
- Infra-estrutura adequada às medidas de higiene, EPIs e etc
- Atenção especial também deve ser dada ao preparo, capacitação e apoio aos professores e toda equipe das escolas, para que estejam preparados para seguir e orientar as novas diretrizes de higiene e saúde e para que estejam conscientes do seu papel primordial para que as escolas não sejam locais de surtos da infecção
Os protocolos para a retomada segura das escolas já foram detalhados em diversos locais do nosso país. A UNICEF e a UNESCO, em conjunto com outros órgãos idôneos como a OMS e especialistas em educação oferecem orientações e recomendações atualizadas para o preparo e execução da reabertura escolar com segurança e eficiência (saiba mais). O fechamento de instalações educacionais deve ser considerado apenas quando não tivermos outra alternativa.
Com o início da imunização, podemos priorizar os profissionais da educação e corrigir a incoerência de mantermos bares abertos e escolas fechadas, quando sabemos que medidas sociais e de saúde pública (MSSP) poderiam ser tomadas para honrarmos nossa obrigação constitucional de zelar pela igualdade de condições ao acesso e permanência na escola a todas nossas crianças e adolescentes. Como vimos, as evidências apontam que as crianças não são os principais vetores de transmissão da doença. E com medidas abrangentes, é possível prevenir a propagação do SARS-CoV-2 nos ambientes educacionais.
Controle e avaliação epidemiológica local, distanciamento físico, rastreamento precoce de novos casos, EPIs, ventilação, práticas diárias de higiene, criar um check-list de orientações e transparência aos pais, controle efetivo de protocolos de prevenção são algumas ferramentas com as quais muitas instituições escolares já estão preparadas para receber nossos pequenos.
E, agora, ainda temos a possibilidade de priorizar nossos educadores na ordem de imunização!
Quanto mais tempo nossas crianças e adolescentes permanecerem fora da escola, menor a probabilidade de retornarem às salas de aula. Isso vai aprofundar ainda mais as desigualdades que já existiam e afetar negativamente toda uma geração.
Escolas devem ser as últimas a fechar e as primeiras a reabrir em uma crise humanitária (UNICEF). Priorizar a educação deve ser nossa meta a partir de agora e sempre.
Participe ativamente dessa campanha, promova a educação, proteja nossas crianças.
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Dra Kelly Marques Oliveira
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REFERÊNCIAS:
- Lancker WV, Parolin Z. COVID-19, school closures, and child poverty: a social crisis in the making. Lancet 2020; published online Apr 7. https://doi.org/10.1016/S2468-2667(20)30084-0
- Faust SN, Munro APS. Children are not COVID-19 super spreaders: time to go back to school. Arch Dis Child Month 2020; published online May 5 DOI 10.1136/archdischild-2020-319474
- Ismail SA, Saliba V, Bernal JL, Ramsay ME, Ladhani SN. SARS-CoV-2 infection and transmission in educational settings: a prospective, cross-sectional analysis of infection clusters and outbreaks in England. Lancet 2020; pubished online Dec 8. DOI: 10.1016/ S1473-3099(20)30882-3
- Flasche S, Edmunds WJ. The role of schools and school-aged children in SARS-CoV-2 transmission. Lancet 2020; published Dec 8 DOI: 10.1016/ S1473-3099(20)30927-0
- United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization. WHAT HAVE WE LEARNT? Outubro, 2020.
- UNICEF. Aulas presenciais e transmissão da covid-19: uma revisão das evidências. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/media/12081/file/aulas-presenciais-e-transmissao-da-covid-19-uma-revisao-das-evidencias.pdf
- UNICEF. Considerações para medidas de saúde pública relacionadas às escolas no contexto da COVID-19. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/media/10526/file/consideracoes-medidas-saude-publica-relacionadas-a-escolas-no-contexto-da-covid-19.pdf
- UNICEF. Reabertura segura das escolas. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/reabertura-segura-das-escolas
- UNICEF pede a prefeitas e prefeitos eleitos que priorizem a reabertura segura das escolas. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/unicef-pede-prefeitas-e-prefeitos-eleitos-que-priorizem-reabertura-segura-das-escolas
- GUIA DE RETORNO ESCOLAR PRESENCIAL – GOVERNO FEDERAL
- Microsoft Word – Guia de retorno das Atividades Presenciais na Educação Básica _07.10.2020.docx
- PROTOCOLOS ESTADO DE SÃO PAULO:
- https://www.saopaulo.sp.gov.br/wp-content/uploads/2020/06/protocolo-setorial-educacao-etapa-1.pdf
- https://www.saopaulo.sp.gov.br/wp-content/uploads/2020/06/protocolo-setorial-educacao-etapa-2.pdf
- PROTOCOLOS RIO GRANDE DO SUL:
- https://cpers.com.br/wp-content/uploads/2020/05/Reabertura-Escolas-RS_-REDES-41-a-52-2.pdf