Alergia alimentar – como enxergar com mais leveza

 

Todos os dias converso com mães que acreditam que seus bebês podem ter alguma alergia ou intolerância alimentar. Mas como diferenciar aquilo que é realmente uma alergia daquilo que não é?
É fato que a prevalência de alergia alimentar aumentou no mundo! Seja pela mudança no estilo de vida, seja pelo aumento do diagnóstico antes ignorado. Mas nem tudo é alergia alimentar, e é preciso diferenciar um do outro. Existe ainda uma tremenda confusão do que seria o real diagnóstico de Alergia a Proteína do Leite de Vaca, mais conhecida como APLV. De fato, nos primeiros meses de vida, a não ser que seja um diagnóstico óbvio de alergia, acaba existindo um “limbo” enorme de sintomas que pode ser APLV ou não!
Por um lado, existem reações gravíssimas em que a criança vai parar no hospital, com lesões de pele tipo urticária, vômitos e sintomas respiratórios, com risco de vida, o que configura uma alergia ao leite provável IgE mediada. Do outro, pode ocorrer o sangramento nas fezes com sintomas do trato gastrointestinal associados, como diarréia, vômitos, irritabilidade e cólica intensas, mais relacionado a alergia não IgE mediada. Ainda existem as alergias alimentares mistas, que podem estar relacionadas a Dermatite atópica e Esofagite Eosinofílica….
Quando caímos nesse “limbo” dos sintomas tudo pode ser gente! É a dificuldade de amamentação que vem junto. O bebê que chora o tempo todo, A dificuldade do bebê de ganhar peso. A cólica que é mais intensa nos três primeiros meses, A mama que tá fissurada e pode sair sangue nas fezes (ou será APLV?). A mãe que está super insegura em relação ao primeiros dias, à demanda do bebê, e todas essas incertezas que vem tudo junto e misturado…

Acredito que o que o alergista mais faça nisso tudo é colocar “ordem na casa”. Diferenciar aquilo que é real do que não é. Minimizar a preocupação das mães, que piram (literalmente) com as dietas. Saber diferenciar quadros assim, que ficam mais em cima do muro, é muito difícil! O diagnóstico muitas vezes é presuntivo e evolutivo. Ou seja: quando existe a suspeita de APLV, diante de uma história clínica compatível, com sintomas sugestivos, você inícia a dieta de exclusão, mantém o acompanhamento próximo para avaliar os sintomas, e depois deve haver a tentativa de reintrodução do alimento para avaliar se há reprodutibilidade dos sintomas. As coisas precisam fazer sentido. Tirou, melhorou? Voltou e piorou?
O pediatra precisa ter muitas vezes a consciência (e humildade) que não pode tratar a alergia alimentar sozinho, pois pode muitas vezes orientar restrições desnecessárias à mãe. Já me deparei com casos em que não há encaminhamento ao especialista quando precisa e ainda a indicação de fórmula DE AMINOÁCIDOS como substituição ao leite materno! Inclusive muitos orientam que a mãe cesse imediatamente o aleitamento materno como única alternativa. Esse não é o tratamento de escolha. A melhor opção é sempre manter o aleitamento materno e fazer a exclusão de leite e derivados na dieta da mãe, desde que CONFIRMADO o diagnóstico. E suplementar de forma adequada os nutrientes que ela irá precisar, principalmente o cálcio!
Para isso, o atendimento em conjunto com o nutricionista é essencial. Para que a mãe saiba o que pode e não pode comer, e o mais importante: como substituir essa alimentação de forma a suprir importantes nutrientes que está deixando de ingerir através do leite, entre eles o cálcio e proteína de alto valor biológico! A mãe desnutre se não comer nada.
É preciso muito acolhimento, muita orientação para essa mãe não enlouquecer, para acreditar que é possível. Para acreditar ainda no poder do leite materno como melhor alimento para seu bebê, ainda que no primeiro mês de dieta de exclusão o bebê chore, tenha escapes de sangramento nas fezes, ou ainda não tenha AQUELE ganho de peso esperado que queríamos. Cada gota conta!
Você sabia que o leite materno produz citocinas regulatórias como o TGF- beta e a IL – 10 que auxiliam na cura ( no desenvolvimento de tolerância) para a alergia do seu bebê? Que o leite materno contém probióticos naturais que irão auxiliar a trato gastrointestinal do bebê a ter uma melhor regulação e composição da microflora intestinal? Que tem milhares de outros fatores imunológicos importantes para essa criança, além de fornecer o alimento mais importante para a criança de forma que ela cresça e se desenvolva da melhor forma possível?
Ah…mas para isso é preciso muito apoio. A dieta para quem faz restrição alimentar é enlouquecedora. Imagina você descobrir que absolutamente TUDO tem leite? Ou que se não tem, pode conter traços de leite? Isso por que não estou falando ainda de alergia alimentar múltipla, com outras restrições. Sim, é muito difícil.
Tenho acompanhado algumas mães que seguem nessa jornada de convivência da alergia alimentar de seus bebês em aleitamento materno. Muitas quase desistiram no caminho. Não as culpo, nem as julgo. Poderia ter sido a escolha delas também. E tudo bem com isso. É uma barra enorme fazer dieta de exclusão (se você quer emagrecer, tenta fazer essas dietas que elas fazem, juro que dá certo! Rs)
Ainda assim, sei que o meu papel é fornecer o apoio necessário para que elas possam continuar. Porque as pessoas PRECISAM saber que elas NÃO PRECISAM desmamar seus bebês porque eles tem alergia alimentar. Não é o leite materno que faz mal. As mães não fazem idéia que ali, em seu poder, está aquilo que é a solução, e não o problema! Que seu leite será o alimento mais completo, perfeito e adequado para seu filho por anos!
Uma palavra sobre os fórmulas infantis especiais:
  • Acredito que a iniciativa do governo em fornecer fórmulas especiais na impossibilidade do aleitamento materno é importante e válida.
  • No entanto, marketing da indústria é forte, e devemos tomar cuidado com a “facilidade” da fórmula infantil em detrimento do aleitamento materno.
  • A convivência com a indústria deve ser feita de forma ética e respeitosa, principalmente o que diz respeito aos médicos. Somos assediados o tempo todo, e precisamos lembrar que o objetivo final sempre é o melhor para o paciente.
  • Na impossibilidade do aleitamento materno as fórmulas existem como uma alternativa para essas crianças, que pode ajudar muitas famílias. Mas será que não ganharíamos muito mais se houvessem ações educacionais direcionadas à população e aos profissionais da saúde, de incentivo ao aleitamento materno?
Espero poder ter passado a mensagem.
  • Não desmame seu filho se ele tem alergia alimentar. A fórmula extensamente hidrolisada e a fórmula de aminoácidos não são as primeiras, nem as únicas opções!

  • -Faça um acompanhamento em conjunto com pediatra, de preferência alergista ou gastro, e nutricionista, para orientação adequada.

  • Não faça dietas malucas nem restrições alimentares desnecessariamente da sua cabeça.

  • Apoio é tudo nessa vida. Busque uma rede de apoio para ajudá-la nesse momento.

Um abraço,

Dra Kelly Marques Oliveira – CRM 145039

Pediatra, Alergista e Consultora Internacional de Amamentação 

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Referências Bibliográficas

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