Infância e açúcar: será que só um pouquinho não faz mal?

Semana passada fui bombardeada pela mídia com uma situação inusitada e que me chamou a atenção. Uma marca conhecida de produtos alimentícios “pulava” da tela do instagram, nas mãos de uma blogueira famosa, falando sobre cereais prontos modificados para criança (pra quem não sabe o que isso significa, vide foto abaixo), e como isso é bom para a filha dela, como isso remetia a sua própria infância e além de tudo era zero açúcar (lê-se: sem açúcar adicionado, não necessariamente zero),  e porque ela dava para sua filha desde os 10 meses, blablabla…

Ao final, um discreto #publi e o aviso do Ministério da Saúde sobre a importância do leite materno (que é obrigatório por lei, quando há anúncio).

Sabemos que o Lobby das indústrias é enorme em torno de tudo que consumimos, e isso inclui, obviamente, o universo infantil. Por isso se existe publicidade, existe interesse por trás. Precisamos ser cuidadosos e avaliar a informação que chega a nós com cautela.

Não vim aqui fazer um discurso moralista, e muito menos radical. A minha idéia com esse post, é simplesmente alertar às pessoas que façam escolhas conscientes. Que questionem, seja quem for. A blogueira do Canal “x”, o médico, o nutricionista.

Porém, algumas coisas precisam ficar bem claras:

Chama a atenção o fato de tudo que remete a alimentação do filho, um discurso que se repete: sempre dei isso pro meu filho e não morreu”, ou “sempre comi isso minha infância inteira e tô aqui, viva e saudável”, “nossa, que povo chato que não pára de dar pitaco na criação do meu filho”, “quanto mimimi”….e por aí vai. Issó é um grande apelo emocional gente! Tudo o que nos remete a infância nos trás memórias boas, gostosas, que associamos à nossa alimentação.

Mas será que o discurso do “comeu e não morreu” é o melhor argumento no que concerne a saúde do seu filho? Vale a pena arriscar? Será que precisamos disso mesmo?

Tudo que a indústria quer é que acreditemos que aquilo que ela oferece é bom, e que além de tudo, tem apelo emocional. O mito da mãe perfeita, a  tal da maternidade real virou isso, uma ofensa para aquela mãe que comete um deslize ou outro, e dentro da maternidade real, dá esse tipo de cereal para o filho. Deu para entender? 

Se você é essa mãe real que comete erros, não se ofenda com esse post, a intenção não é (definitivamente) essa. Porque realmente errar faz parte. Hoje a culpabilização em cima das mães é tão grande, que a mídia usou desse sentimento para dizer,” tudo bem você dar isso a seu filho, não vai ter problema”. A escolha realmente é dos pais, mas cabe ao profissional de saúde a orientação para que você faça uma escolha consciente. E ter alternativas que te ajudem de verdade, na correria do dia-a-dia.

A segunda coisa que chama a atenção no rótulo é: ZERO AÇÚCAR. Será mesmo? Em sua composição aparece como 5o ingrediente (ok não é o primeiro), a MALTODEXTRINA, um carboidrato de rápida absorção no organismo, com elevado índice glicêmico, usado por atletas no momento do treino, justamente por isso: ele eleva a glicemia no máximo em 15 minutos!

Em terceiro, mas não menos importante, vamos às EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS:

Estudos bem recentes, demonstraram que não somente a gordura, que levou ao “boom” nos EUA de tudo ser zero gordura, desde a década de 70, mas também o açúcar, ser o grande responsável pelo grande problema de obesidade, colesterol alto, diabetes em nossa população (como reflexão da influência econômica dos EUA no Brasil e no mundo.

Isso é assunto para outro post, mas é muito sério! Em 1967, um estudo foi publicado no New England Journal of Medicine, um jornal de renomes no mundo científico, falando sobre o perigo da gordura na dieta e sua associação com aterosclerose. Isso levou (indiretamente) a um aumento no consumo de carboidratos, tudo “fat free”, e aumento das doenças metabólicas. Mais tarde, foi descoberto que esse mesmo estudo foi PATROCINADO (sim isso mesmo), pela chamada indústria do açúcar. Na época, não tínhamos a mesma regulamentação de hoje, e esse “mero detalhe” não foi sequer citado no artigo.

Abaixo, segue 2 artigos bem recentes que falam sobre o consumo de açúcar  e sua relação com obesidade e diabetes.

Um artigo explica que o açúcar antes de tudo, tem um processo histórico que o tornou popular e barato, com o aumento do seu consumo na década de 70. Por ser algo rentável, era extremamente interessante o seu consumo. A grande preocupação relacionada ao açúcar é o chamado açúcar adicionado, e não o açúcar intrínseco aos alimentos. O açúcar adicionado é aquele que não está naturalmente disponível nos alimentos, pode ser conhecido como dextrose, glicose, corn syrup (xarope de milho),  HFCS ( sweetener high fructose corn syrup= xarope de milho elevado em frutose) e ainda sucrose (glicose + frutose) , maltose (glicose+glicose), e ainda maltodextrina (polimero de dextrose derivado da conversão do amido de milho)

Existem evidências epidemiológicas sólidas que associam o consumo de açúcar (adicionado) e o desenvolvimento de doenças como obesidade e diabetes tipo 2.

As organizações científicas hoje como a Organização Mundial de Saúde, o Conselho Científico Consultivo de Nutrição, o Comitê Consultivo de Orientações Alimentares de 2015 e o American Heart Association recomendam um limite máximo de 10% de açúcar adicionado no consumo diário, com um consumo desejável de 5%. No artigo de revisão, identifica-se a relação entre o consumo de açúcares e a sua ligação com várias condições crônicas tais como obesidade, diabetes, doença hepática gordurosa não-alcoólica e a síndrome metabólica.

Um achado interessante é que o consumo de frutose, açúcar naturalmente presente nas frutas, NÃO aumentou o risco de doenças metabólicas como o açucar adicionado o faz, ainda que em porções aumentadas. Por isso, abuse das frutas!

Bem, esse assunto é infinito!!! Como o post já ficou grandão, vou falar mais sobre o rótulo e alternativas saudáveis no próximo post, aguardem!

Se essa informação te ajudou, compartilhe! 🙂

Veja alguns posts relacionados também ao tema, no blog do Pediatra do Futuro, pelo Dr Flavio Melo:

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Um abraço,

Dra. Kelly Marques Oliveira

CRM 145039

Consultório em São Paulo: (11)5579-9090

Referências Bibliográficas

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